Especialistas ouvidos pelo Estadão afirmam que São Paulo se consolidou como a principal capital de shows da América Latina, graças à sua força econômica, público engajado e interesse das marcas, o que torna a cidade parada obrigatória de grandes turnês internacionais.
Segundo Fabiana Lian, diretora do On Stage EXP e autora do livro Enquanto Você Toca… Guia Comentado e Biografia Coletiva do Showbusiness, o crescimento de shows e festivais segue uma tendência global, gera empregos e melhora a experiência do público. Porém, ela alerta para um risco: o enfraquecimento da cena independente, já que a concentração em grandes festivais pode comprometer, a longo prazo, a sustentabilidade do mercado e o desenvolvimento de novos artistas.
“Se a (cantora) Marina Sena tocou em todos os grandes festivais é porque, cinco anos antes, ela estava em festivais independentes construindo público, porque ela teve casas de shows com tamanho adequado para o tamanho dela naquele momento”, diz.
Dani Ribas, doutora em Sociologia pela Unicamp e professora de Music Business, avalia que o mercado de música passa por um período de ajuste, no qual grandes conglomerados e festivais patrocinados concentram audiência e recursos, prejudicando os eventos menores. Embora os grandes festivais consagrem artistas, ela destaca que o desenvolvimento das carreiras começa nos pequenos palcos permanentes, como casas de shows independentes de São Paulo. Esses espaços, mesmo com pouco apoio público e privado, exercem papel fundamental de curadoria, renovação artística e fortalecimento da cena musical, em uma dinâmica complementar aos grandes eventos.
Fabiana Lian e Dani Ribas defendem que o futuro da cena musical depende do fortalecimento da cena independente, por meio de políticas públicas de apoio, como ocorre em cidades como Londres. Elas alertam que a concentração em grandes festivais e conglomerados pode enfraquecer os pequenos palcos, que são fundamentais para a formação e descoberta de novos artistas. Embora grandes festivais consagrem carreiras, são as casas de shows independentes que fazem a curadoria, renovam a cena e garantem diversidade e sustentabilidade ao mercado musical a longo prazo.
Dani Ribas apresenta dados do Instituto Abramus que evidenciam o crescimento da indústria musical impulsionado pelo aumento de shows e festivais. A arrecadação de direitos autorais pela execução pública de música vem crescendo nos últimos três anos: em 2023 foram R$ 37 milhões, em 2024 R$ 44 milhões e, apenas até o terceiro trimestre de 2025, R$ 38 milhões — já superando todo o ano de 2023. Segundo a especialista, esse crescimento é fundamental para o mercado da música e reforça que o setor deve ser tratado como estratégico para a economia da cidade.
Luis Justo, CEO da Rock World, afirma que o principal desafio dos grandes festivais é equilibrar interesses distintos: atender às marcas patrocinadoras, satisfazer o público com grandes atrações internacionais e, ao mesmo tempo, fortalecer a cena musical ao apresentar novos artistas. Segundo ele, essa relação de “ganha-ganha” amplia o público dos festivais e garante sua sustentabilidade a longo prazo.
Justo afirma que a relação entre grandes festivais e São Paulo é de “ganha-ganha”, com forte impacto econômico e turístico. Um estudo da FGV mostra que o The Town 2025 gerou R$ 2,2 bilhões em impacto econômico, R$ 232 milhões em arrecadação para a cidade e cerca de 25 mil empregos, superando os números de 2023. O festival impulsionou o turismo, com aumento de 240% nas reservas do Airbnb, atraindo visitantes nacionais e estrangeiros. Dados da SPTuris reforçam o cenário positivo: no primeiro semestre de 2025, o turismo faturou R$ 1,3 bilhão, com crescimento no fluxo de turistas nacionais e internacionais, consolidando São Paulo como uma capital global do entretenimento.
Zé Ricardo, vice-presidente artístico da Rock World, alerta que o aparente aquecimento do mercado de festivais pode passar por uma acomodação nos próximos anos, já que o consumo tem limites. Para ele, a permanência do The Town no calendário paulistano depende do vínculo com o público local, que precisa se reconhecer no festival. Além disso, destaca que a renovação constante, com novas experiências e descobertas musicais, é essencial para manter o interesse e a relevância do evento.
Os empresários Juliano Libman e Luiz Restiffe, da Agência InHaus, avaliam que, apesar da grande quantidade de eventos em São Paulo, nem todos conseguem se sustentar financeiramente, e muitos festivais recentes já deixaram de existir. Eles destacam que a rentabilidade leva tempo e que o futuro do setor é incerto. Para enfrentar esse cenário, defendem a diversificação de formatos e a aposta em eventos menores, voltados a públicos que evitam grandes aglomerações. Os empresários também apontam o crescimento de shows em parques, como o Villa-Lobos, facilitado pela concessão desses espaços à iniciativa privada, o que amplia as possibilidades de eventos e segue uma tendência internacional.
São Paulo amplia sua infraestrutura para grandes eventos musicais em diferentes espaços da cidade. O Parque do Ibirapuera recebeu dez shows e festivais neste ano e busca superar o público de 2024, que ultrapassou 1 milhão de pessoas, com novos eventos previstos para 2026 e a reabertura da marquise de Niemeyer, reforçando o papel cultural do parque. O Allianz Parque bateu recorde de público em 2025, impulsionado por shows e jogos, e já tem atrações confirmadas para 2026. Já o Pacaembu, agora Mercado Livre Arena, passa a integrar o circuito de grandes eventos com a criação de um novo espaço para shows e a futura abertura de um hotel, consolidando a cidade como polo de entretenimento.
O novo complexo do Pacaembu terá a marca da Universal Music, que atuou como consultora para a criação de um palco dentro de padrões internacionais, seguindo modelo já adotado em Madri. A Arena Pacaembu também firmou parceria com a Four Even, que garantiu 80 datas anuais por dez anos para operar shows no espaço fechado e no gramado. Segundo a concessionária Allegra, o local busca se consolidar como polo de eventos esportivos e de entretenimento e, mesmo antes da abertura do hotel, deve realizar oito shows no primeiro ano, incluindo atrações internacionais como Andrea Bocelli.
Thiago Savoldi, diretor de Novos Negócios e Experiências da Concessionária Allegra Pacaembu, destaca o potencial do modelo que integra hotel e arena no Pacaembu, permitindo que hóspedes assistam aos shows diretamente das suítes, o que pode tornar o espaço uma referência no Brasil e na América Latina. Paralelamente, São Paulo investe em novas megacasas de shows indoor, focadas em conforto e segurança. Um exemplo é a Suhai Music Hall, inaugurada no Shopping SP Market, com capacidade para até 9 mil pessoas e, de acordo com Renato Srur, sócio do Grupo São Joaquim, foram investidos mais de R$ 100 milhões no espaço, que prevê cerca de 80 shows em 2026, reforçando a demanda por novas estruturas de entretenimento na cidade.
São Paulo ganha mais um espaço cultural com a abertura do BTG Pactual Hall, no antigo Teatro Alfa, com capacidade para cerca de 1.100 pessoas e investimento de R$ 12 milhões. Administrado pela Aventura Entretenimento, o local terá programação diversa, incluindo shows, musicais, dança e eventos de moda e tecnologia. Segundo Luiz Calainho, que lidera o L21 Corp, o teatro seguirá um modelo “multiconteúdo”, funcionando todos os dias e atendendo à crescente demanda da economia criativa e à diversidade cultural da cidade.
Confira a matéria do jornalista Danilo Casaletti na íntegra, no link do Estadão

